sexta-feira, 21 de junho de 2013

O ALICATE MALDITO


   Numa captura de imagens de um filme em stop-motion muitas vezes você passa o dia inteiro no set e, ao término do trabalho, se você conseguiu vinte segundos de filme de qualidade é o caso de abrir uma garrafa de bebida e comemorar. Não se assuste com a aparente baixa produtividade. Stop motion é um trabalho meticuloso que exige muita paciência e, talvez por causa disso, resulta num enorme prazer: prazer de imaginar, transformar em cena o que se imaginou, muitas vezes com resultados além dos imaginados. Independente se o filme resultante é bom ou não, o processo do stop motion é sempre muito bom. O set de um estúdio é cansativo, desafiador por vezes, desesperador em não poucos momentos. Talvez isso aconteça por causa das características da técnica. Tudo no set é manipulável: luz, cor, movimento, forma e composição e talvez mais importante: o tempo é manipulável. Tanto o tempo em termos do ritmo, da fluência de uma ação ou cena, até o tempo dramático de um personagem. Ou seja, é uma carga de elementos criativos que é preciso conciliar que, às vezes, é enlouquecedor e excitante! Felizmente, cinema é arte coletiva e o diálogo entre os artistas no set é constante e necessário. Na composição de todos esses elementos que o set impõe, os acidentes e os esquecimentos são impossíveis de evitar. Tropeços na base do tripé da câmera alterando o quadro foram comuns em nossa experiência. É muito difícil retornar o tripé ao exato lugar original e o custo disso é pago na edição quando, numa tela maior, fica claramente nítido o “pulo” da imagem. Resultado: corta-se três a quatro segundos “suados” de cena.

     Outra coisa que logo aprendemos é que todo elemento de cena deve ser firmemente fixado e estabilizado. O resultado da não observância dessa saudável prática era verificado na edição quando maciças montanhas se mexiam como por efeito de terremotos, arbustos ganhavam vida desnecessária, pedras saltavam de um lugar para outro de forma inesperada e inusitada. O resultado era o de sempre: cortes de cena quando o Alex, o editor, não conseguia limpar digitalmente o “objeto animado” que deveria ter ficado em seu lugar.  

O alicate maldito à direita do quadro.

   Mas o objeto animado que mais deu trabalho no processo de edição de “3 Amigos” foi um pequeno alicate vermelho que Primo Gerbelli, o animador, utilizada para movimentos pequenos, como os dedos das mãos dos bonecos. Algumas vezes, o Primo teve de trabalhar sozinho no set: montar luz, movimentar personagens, capturar imagem. Evidente que era impossível controlar tudo durante um dia inteiro. Disso se aproveitou o alicate vermelho que passou a aparecer insistentemente no quadro. Parecia que ele queria tanto estar na animação que pensamos até em criar um personagem para ele. Sua intromissão na edição filme foi à princípio exasperadora, irritante depois e, por fim, provocava risos: seu desejo de estar em cena tornava impossível contê-lo nos limites dos bastidores. O Alex precisou de horas de trabalho para apagá-lo digitalmente dos frames e fazê-lo voltar ao anonimato, de onde o retiramos agora.


                         O alicate maldito já buscou o centro da cena.


A lata de thinner, aproveitou a escuridão noturna para se
colocar disfarçadamente à esquerda do quadro.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

DECUPAGEM, STORY BOARD, ROTEIRO TÉCNICO

Quem quiser fazer cinema de animação tem de saber que não importa a extensão do filme, se um curta de um minuto ou um longa de duas horas, o cuidado tem de ser o mesmo. Não importa a duração do filme, stop-motion é um arte trabalhosa e por isso vale a pena um bom planejamento prévio antes de capturar as primeiras imagens. Entre alguns dos itens desse planejamento está a decupagem. 
        Em cinema, decupagem não é senão o processo de dividir cada cena do roteiro em um ou vários planos cinematográficos. É na decupagem que o filme começa a ser verdadeiramente construído, a história do roteiro começa a ganhar estruturação em imagens. Na decupagem somos obrigados a visualizar cada detalhe do filme o que, além de imprescindível para a construção da obra audiovisual, é um ótimo exercício de imaginação, para o diretor especialmente. Nela podemos imaginar o enquadramento, o posicionamento da câmera, a composição do quadro e outros elementos. Aí também começamos a sentir o ritmo da cena e do filme a ser construído. Em suma, é a construção do filme por dentro antes de ser construído e aperfeiçoado por fora. 
        Em stopmotion a decupagem requer muito precisão. Ao contrário do live action, do filme feito com atores, onde se podem fazer várias tomadas de um mesmo plano e, ao final, escolher a melhor para a edição, em stopmotion é raro fazer mais de uma tomada. A não ser que aconteça algum problema técnico como, por exemplo, chutar o tripé da câmera. Isso nos aconteceu várias vezes e é praticamente impossível retornar o tripé à mesma posição anterior. 




      Outro item importante é o storyboard que é o processo de desenhar os principais planos escritos da decupagem. A escrita é bem menos precisa que a imagem e muita vezes é entendida de forma diferente pelos outros companheiros de criação. A forma de possibilitar a todos envolvidos a visualização precisa e concreta do filme é dada pelo storyboard.
       Finalmente, igualmente importante é o roteiro técnico. Esse instrumento de planejamento além de ser muito importante para o diretor de produção, complementa a construção “interior” do filme antes da captura das imagens. Nele estão indicações de iluminação, efeitos especiais, cenários, objetos de cena, elementos sonoros, indicações de trilha e tudo que for material ou equipamento necessário à construção do filme.
       É evidente que o tratamento dado a esses elementos vai variar bastante dependendo da equipe de criação, mas em nosso processo trabalho eles se demonstraram eficazes e necessários.
       Um último comentário: Muito do conteúdo desse planejamento artístico prévio vai ser modificado no set de filmagem, mas o importante é que qualquer modificação no momento da captura de imagens vai ser modificado para melhor se tivermos esse trabalho anterior.  Por exemplo, em nossa decupagem e roteiro técnico estava prevista o uso de filmadora em alguns planos. No set, desistimos dela e fizemos todo o filme em stopmotion.  
       Tanto o roteiro de 3 amigos quanto a decupagem e o roteiro técnico estão postados em nosso site para consulta. 


Primo Gerbelli cria o boneco


Um boneco cria o outro em 3 Amigos