sexta-feira, 24 de maio de 2013

AS VANTAGENS DA IGNORÂNCIA (2)


     Creio que o fato aconteceu com o escritor italiano Giuseppe Tomasi de Lampedusa (1896-1957). Ao se dirigir a uma plateia de jovens, perguntou-lhes quem deles já lera a Odisséia. Quase ninguém se manifestou. Perguntou quem já havia lido a Divina Comédia, de Dante. Pouquíssimas pessoas outra vez se apontaram. E continuou perguntando sobre o conhecimento da plateia pelas obras clássicas, sempre com pouquíssimas respostas. Ao final das perguntas concluiu: ”Que maravilha! Quanto prazer vocês ainda terão na vida!” Essa é uma vantagem da ignorância: poder conhecer. E ir aos poucos conhecendo a técnica do stop motion foi com certeza maior prazer que tivemos em nossa empreitada. O conhecimento libera e estimula a novos voos.
   Começamos com bonecos estruturados em arame, mas eles não resistiram ao enorme número de torções a que foram submetidos. Partimos então para um boneco construído em madeira e com articulações de metal. Este resistiu melhor, mas a madeira desgastava-se rapidamente nas articulações e necessitavam contínuos apertos para permanecer na posição e ser fotografado. E não possuía a precisão necessária para fazer o conjunto de fotos resultar num movimento fluente da personagem. Estudamos na internet estruturas de bonecos articulados de aço, chamados armaduras. E o Primo Gerbelli (que desenhou os personagens, construiu, desenhou os cenários e foi cenotécnico e animador do curta) resolveu estudar sua construção. Aprendeu a manipular a solda prata e conseguiu um boneco de aço, articulado e plenamente satisfatório.  


      O passo seguinte foi tentar descobrir como conseguir um movimento fluente e natural dos personagens, sem os inevitáveis “pulinhos” de um frame a outro. Esse foi um estudo difícil e que consumiu muito tempo de discussões e testes. A conclusão geral que chegamos é que quanto menores os movimentos fotografados mais fluência de movimento teremos quando juntarmos os frames. Mas isso vai depender da cena, do personagem e da velocidade. Uma cena mais rápida precisa de menos frames/movimentos do que uma cena calma ou contemplativa. 
     Parte da cenografia pronta, personagem construído, equipamento técnico preparado, estávamos prontos para começar a errar. E a aprender com os erros.
           


segunda-feira, 6 de maio de 2013

VANTAGENS DA IGNORÂNCIA


     A única e talvez grande vantagem de começar uma animação sem saber nada sobre a técnica é que se aprende muito. E rapidamente. Tudo é qualquer coisa é aprendizado, para qualquer área que nos voltássemos, tínhamos praticamente tudo a aprender.
     Como o roteiro nas mãos e o equipamento básico – máquina fotográfica, programa de animação, notebook e iluminação - lá fomos para a aventura. Passamos um dia inteiro tentando fazer a máquina conversar com o programa, sem resultado. Finalmente, com a ajuda de uma fotógrafa, Letícia Kamada, conseguimos a setagem correta. Infelizmente a fotógrafa não pode integrar a equipe e nos ressentimos disso durante todo o processo. Um fotógrafo ou, no mínimo, alguém que entenda suficientemente os aspectos técnicos de uma câmera fotográfica é essencial numa equipe de criação. Isso sem falar dos aspectos artísticos como luz, enquadramento, composição e outros.
     Voltamos à iluminação, logo aprendemos que uma câmera não é um olho humano, a capacidade de percepção é totalmente diferente. Percebemos isso quando depois de gravarmos uma cena-teste, por um dia inteiro. E stop motion, uma dia inteiro de trabalho não rende mais do que 20 minutos, isso em se tratando de profissionais. Nós, depois de um dia de trabalho conseguimos alguns poucos segundos. E, decepcionados, percebemos, ao final do dia, uma séria e constante oscilação da luz que não havíamos detectado durante a captação. Imaginamos que fosse um problema do equipamento ou variação da energia elétrica. A fotógrafa também elucidou a questão: intensidade de luz insuficiente. Só aí, a coisa logou. E entendemos que cinema precisa de luz, a noite no cinema é feita de luz. Uma câmera precisa de luz, muita luz. A escuridão no cinema não é a escuridão da vida, é uma escuridão sugerida, feita de luzes e filtros. A “noite americana” é filmada de dia com filtros, de forma a sugerir uma noite onde as coisas podem ser vistas. Essa é a razão pela qual nos filmes antigos ao se acender uma vela num ambiente escuro a luz da vela era sempre auxiliada por outras luzes para que pudesse iluminar o ambiente a ser visto. É claro que atualmente as câmeras são bem mais sensíveis à luz do que antigamente, mas a regra geral permanece: o escuro é feito com luz.
     Para a animação resolvemos trabalhar com bonecos articulados e outra vez a inexperiência rendeu seus frutos. Mas isso é assunto para a próxima postagem.